1)

uma caixinha de fósforos
quase invisível
por detrás da grossa parede de vidro
expunha
em meio aos outros fósseis
da seção dedicada ao paleolítico superior
uma mulher minúscula.
um dia a mulher se viu
(dentre aquelas vontades da Natureza
— ou talvez dos homens —
de ultrapassar as próprias barreiras)
com uma fome maior que o mundo.
comeu os próprios cabelos
as unhas, as saúvas mais próximas
passando para a caixa que a trancafiava.
engordou bastante rápido,
até romper o vidro,
engolir os ossos de corpos vizinhos
e as plantas e os animais.
mastigou passados e futuros:
tiranossauros,
asteróides,
talismãs,
galápagos,
sarcófagos.
deliciou- se com os gregos
e é possível que tenha se engasgado com alguns bretões.
à vez do cimento armado
(a caixa que guardava as tantas outras)
rompeu a construção empurrando-a com os beiços.
foi se tornando um monstro imenso,
tão, tão gordo,
que tinha coxas da grossura do tânger.
abocanhava carros,
baobás,
torres e antenas.
queria e engordava.
quase não emitia sons:
apenas gemidos agudíssimos
tão silenciosos quanto os das baleias azuis.
com uma espada dourada saindo de cada boca
arrebentou a muralha de tijolos antigos
armados pelos primeiros homens
e deixou escorrer por entre as pernas
o látex
que sufocava e encobria os edifícios,
pompeias e marianas esbranquiçadas.
de pé, dançou sobre o continente
bebeu o pacífico em dois goles
rasgou o ozônio
e viu seu reflexo
escurecendo a lua-cheia envidraçada.
é possível que tenha dito uma palavra ou duas.
fazia mal ser brilho inútil?
jacis, sacis,
manas, mães,
cunhãs, cunhadas
na barriga,
vivem todos agora
no gigante estômago
de taina-cã.

2)

suficientemente astutas
elas estariam nas franjas
das bordas
de uma grande malha de tecido
fiapos de linha
se equilibrando para existir
nem que seja do lado de fora
no simples ato de puxar o fio,
o tecido
se
deforma .

3)

INVENÇÃO DO READY-MADE

o que faz um mictório
dentro de uma sala
repleta de objetos
que nada fazem
só poderia ter sido feito
por alguém a quem
um mictório
nada faz.

4)

EXERCÍCIO MILITAR DO CUBISMO

passar por onde picasso passou
o prado
o pavilhão
paris
e pichar as paredes de púrpura